sexta-feira, 27 de julho de 2012

Saber e desaprender






Eu me acostumei a muita coisa que hoje não faz mais sentido na minha vida e busco com um novo olhar tudo que me aproxima da minha alma. É uma escolha que requer  escuta, disciplina, atenção amorosa, apuração dos sentidos. Para chegar até aqui, foi preciso embarcar em algumas canoas furadas. A sede de viver plenamente foi mais forte e me trouxe ao caminho de volta para minha essência. A busca não termina, mas o caminho traz muita alegria. 


Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.



Não quero faca, nem queijo. Quero a fome. Adélia Prado

terça-feira, 24 de julho de 2012

SER FELIZ OU INFELIZ ?



Um senhor estava completando cem anos de idade e perguntaram-lhe, no dia do aniversário, como ele conseguia estar sempre feliz? Ele respondeu: toda manhã, quando levanto, posso escolher se serei feliz ou infeliz e eu escolho ser feliz.

Por que continuamos escolhendo a infelicidade? 

Porque nunca estamos conscientes de que somos nós que fazemos essa escolha? Esse é um problema humano que tem que ser profundamente analisado. Não é uma questão teórica; esse problema diz respeito a todos nós. 

É assim que quase todo mundo está agindo: sempre escolhendo o errado. Sempre escolhendo a tristeza, a depressão, o mal estar, a miséria. 

Deve haver razões profundas para isso - e há! 

A primeira coisa a ser considerada é o modo como os seres humanos são criados. 

Desde o nascimento, uma criança perceptiva começa a sentir que, se ela está infeliz, ela provoca simpatia, ela provoca compaixão, todo mundo tenta ser amável, enfim, ela ganha amor. E até mais do que isso: se ela está mal, com algum tipo de sofrimento, ela ganha atenção de todo mundo. 

E a atenção funciona como um alimento para o ego. É com a atenção que nós ganhamos energia e nós sentimos que somos alguém. Se todos nos olham, nós nos tornamos importantes. O ego existe no relacionamento. 

Desde o nascimento, a criança aprende: pareça miserável e assim obterá simpatia; pareça doente e você merecerá atenção, ou seja, você se tornará importante.

Quando a criança está feliz, ninguém a ouve. 

Quando está saudável, ninguém se importa com ela. 

Quando está bem, ninguém lhe dá atenção. 

Por que haveriam de se importar com ela? Tudo vai bem. 

Ao contrário, se ela estiver saudável e começar a agitar, a se expressar, é bem provável que logo receba uma repreensão. 

Assim, desde o nascimento, aprenderá a escolher o errado, ou seja, escolher a tristeza, o pessimismo, o lado mais escuro da vida. 

Outro fato relacionado a este é que sempre que nós estamos felizes, sempre que estamos alegres, todo mundo nos inveja. 

Assim, nós aprendemos a não ficar felizes, a não demonstrar nossa felicidade, a não rir. Quando as pessoas riem, em geral, elas não dão gargalhadas; elas riem até um certo ponto: até o ponto em que não serão levadas a mal, até o ponto em que não provoquem inveja. 

Nesta sociedade, se alguém estiver dançando, em êxtase, no meio da rua, no trabalho, todos jurarão que é um louco. 

Se alguém se sentir mal, tímido, inseguro, bloqueado, então tudo está bem, ele está mais ou menos ajustado, mais ou menos igual a todo mundo, porque a sociedade é assim mesmo: mais ou menos miserável. 

Mas o velho de cem anos tinha razão. Na verdade, pela manhã, todo mundo pode escolher. E não apenas ao amanhecer, a todo o momento podemos fazer uma escolha entre sermos felizes ou infelizes. E estamos habituados a escolher a infelicidade. 

A sociedade fez uma grande obra. A educação, a cultura e os agentes culturais - pais, professores, etc. - transformaram criaturas alegres em criaturas infelizes. Toda criança nasce como um leão, toda criança é um ser divino ao nascer, mas acaba morrendo como como um louco, morre como uma ovelha medrosa. 

Esta é a chave: a escolha existe, mas você se tornou inconsciente dela. Escolheu o errado tão continuamente que fez disso um hábito e passou a escolher automaticamente. 

Abra os olhos: você está escolhendo a todo o momento. Lembre-se: a escolha é sua. Essa conscientização o ajudará. E será mais fácil caminhar para a felicidade. 

Lembre-se: A escolha é sua. Não reclame, este drama é seu, ninguém mais é responsável,  só você.

(Extraído do livro "Meu caminho, o caminho das nuvens brancas", autor Osho Rajneesh) 


sexta-feira, 20 de julho de 2012

A fábula da convivência




A fábula da convivência

Durante uma era glacial, muito remota, quando parte do globo terrestre esteve coberto por camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio e morreram indefesos, por não se adaptarem as condições do clima hostil.
Foi então que uma grande manada de porcos espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir, a juntar-se mais e mais.
Assim, cada um poderia sentir o calor do corpo do outro e todos juntos, bem unidos, agasalhavam-se mutuamente, aqueciam-se, enfrentando por mais tempo aquele inverno tenebroso.
Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, daqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte.
E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos.
Dispersaram-se, por não suportarem mais tempo os espinhos dos seus  semelhantes.
Doíam muito...
Mas, essa não foi a melhor solução: afastados, separados, logo começaram a morrer congelados.
Os que não morreram voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precaução, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínimas o suficiente para conviver sem ferir, para sobreviver sem magoar, sem causar danos recíprocos.
Assim conviveram, resistindo à longa era glacial.
Sobreviveram.

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Se você conseguiu ler até aqui, deixo uma pergunta para reflexão: nos conectamos e ampliamos nossa rede de amigos virtuais por estarmos desaprendendo a conviver ?