terça-feira, 3 de março de 2009

O escorpião e a rã

Essa estória de Rubem Alves traz inúmeras reflexões. Escutei-a pela primeira vez num filme muito maluco, mas ficou na minha lembrança. O nome do filme era Traídos pelo Desejo... não vem ao caso o enredo do filme...ficou a beleza da narrativa, numa época em que eu começava a investigar e vasculhar insights, porquês...e viver na anestesia coletiva...


Hoje minha bússola é meu coração...


Para o deleite e reflexões de vocês, queridos leitores:




"Um dia a floresta pegou fogo.
E incêndio não tem medo de rabo de escorpião!
Só havia um jeito de fugir da morte: era atravessando o rio, para o outro lado.
Os bichos que sabiam nadar pulavam na água, levando seus amigos nas costas.
Mas o escorpião nem tinha amigos, nem sabia nadar.
E não havia ninguém que se arriscasse a oferecer-lhe carona.
.
O escorpião, então, valentia e coragem sumidas ante o fogo que se aproximava, foi forçado a se humilhar.
Dirigiu-se com voz mansa à rã, que se preparava para a travessia:


-Por favor, me leve nas suas costas - ele disse.


-Eu não sou louca. Sei muito bem o que você faz a todos que se aproximam de você - replicou a rã.


-Mas, veja- argumentou o escorpião- eu não posso picá-la com o meu ferrão.
Se o fizesse, você morreria, afundaria, e eu junto, pois não sei nadar.


A rã ponderou que o raciocínio estava certo. Podia ser que o escorpião fosse muito feroz, mas não podia ser burro.
Todo mundo ama a vida. O escorpião não podia ser diferente. Ele não iria matar, sabendo que assim se mataria...
E, como tinha bom coração, resolveu fazer esta boa ação.


-Muito bem. -disse a rã ao escorpião. -Suba nas minhas costas. Vou salvar sua vida...
O escorpião se encheu de alegria, subiu nas costas lisas da rã e começaram a travessia.


-Que coisa -ele pensou- é a primeira vez que me encosto em alguém de corpo inteiro. Antes era só o ferrão... E até que não é ruim.
O corpo da rã é bem maciozinho...


Enquanto isso, a rã ia dando suas braçadas tranqüilas, nado de peito, deslizando sobre a superfície.


-E como é gostoso navegar- continuou o escorpião , nos seus pensamentos. - estes borrifos de água , como são gostosos.
É bom ter a rã como amiga... Estavam bem no meio do rio.


O escorpião olhou para trás e viu a floresta em chamas
. -Se não fosse a rã, eu estaria morto neste momento.


E um estranho sentimento, desconhecido, encheu seu coração: gratidão.
Nem sempre veneno e ferrão são a melhor solução.
A vida estava com a rã, macia e inofensiva que não inspirava medo em ninguém...
Sentiu seu corpo descontrair-se. Achou que a vida era boa... Era bom poder baixar a guarda e descansar.


Voltou-se de novo para trás, para olhar a floresta incendiada.
Mas, ao fazer isto, viu-se refletido, corpo inteiro, na água do rio que brilhava à luz do fogo.
E o que viu o horrorizou: seu rabo, dantes ereto, agora dobrado, desarmado. Escorpião de rabo mole... Todos ririam dele.


E sentiu um ódio profundo da rã.
-Espelho, espelho meu, existe bicho mais terrível que eu? A resposta estava naquele rabo mole, refletido no espelho da água.
E a única culpada era a rã... Sem um outro pensamento, enrijeceu o rabo e o enfiou nas costas da rã...
A rã morreu...
E, com ela, o escorpião.


A estupidez do poder é maior que o amor à vida...(Rubem Alves )




O que será de nós, se estivermos cansados da verdade , da paz e do amor?
A culpa é sempre do outro?
Busquemos sempre essa reflexão:
Aquilo que me incomoda no outro é conteúdo meu, o outro apenas reflete o que não gosto de ver em mim.
Parece fácil essa percepção, mas não é... (Espelho, espelho meu???)
Baixar o rabo de escorpião tem um preço que nem sempre estamos dispostos e prontos a pagar.
Dá um trabalho danado!


Como posso te odiar se me amo?
Como posso te amar se eu me odeio?...


Dedico estas reflexões a um grupo de pessoas muito especiais que fazem parte da minha vida e auxiliam meu crescimento pessoal.
Neles, enxerguei meus medos e pude curar uma criança assustada, que não se entregava...


E lá vou vou eu nas minhas andanças, buscando trilhas e rumos...querendo simplesmente chegar...


"Quem beber dessa água, nunca mais terá sede..."

2 comentários:

João Rios disse...

Edméa, esta linda história me levou aos tempos de criança. Naquela época li esta história e o final era mais ou menos o seguinte: ao ser ferroada a rã perguntava:
- escorpião por que você fez isso?
- é o instinto, é o instinto - respondeu o escorpião.
Os dois morreram afogados.
Devido a minha pouca idade eu não conseguia entender a moral dessa história. Ao longo da vida encontrei algumas pessoas que fazem maldades só por causa do instinto.
Obrigado por levar-me à minha infância.

edmeaoliveira disse...

Querido João,
Que bom que essa estória fez você refletir questões de sua infância.
Obrigaod pela leitur assídua do meu blog.
Beijinhos