segunda-feira, 12 de abril de 2010

Velha infância



Termino a malhação e enquanto aguardo a moça da lanchonete preparar o meu suco, começo a folhear uma revista. Leio a crônica da Danuza Leão “ Um quintal” que me conduz a uma viagem à minha infância, ao quintal da casa onde morávamos eu, meus pais e meus 4 irmãos.
Goiabeiras, mangueiras, abacateiros e cajueiros fizeram parte dessa história. Vivíamos subindo nos galhos das árvores para apanhar frutas e para deixar meus pais malucos com as travessuras que eu e meus irmãos aprontávamos.

Minha mãe conta que nossas roupas eram todas manchadas e não havia sabão que tirasse as nódoas provocadas pelas frutas.

Alguns casos engraçados e quase trágicos também aconteceram. Num belo dia, eu e minha irmã pulamos o muro casa do vizinho. Quando voltamos pro nosso quintal os tijolos soltos do muro cairam todos em nossas cabeças.
Outra vez, num aniversário da família, a criançada toda subiu na goiabeira e a coitadinha não suportou tanto peso em cima dos seus galhos. Tombou pro lado e caímos todos no chão.
Nossos pais assistiram em pânico a cena quando a goiabeira se quebrou.

Tantas boas lembranças guardadas no baú da minha “velha infância”.

Hoje as crianças não brincam mais de apanhar frutas nas árvores. Algumas não conhecem e trocaram os sabores do quintal por hambúrgueres e milk shakes.
Em Brasília ainda podemos resgatar um pouco deste velho e saudável costume: apanhar frutas no pé.
Quantas árvores frutíferas foram plantadas e que cidade abençoada!

Estou aqui ouvindo “Velha Infância” (Tribalistas) e Redescobrir (Elis Regina) e publico abaixo a crônica de Danuza Leão.

Os links das músicas estão abaixo também.




Um quintal
 
Quando uma pessoa começa a melhorar de vida, pensa logo em comprar uma boa casa. E o que é uma boa casa? É preciso um jardim e uma piscina, imaginam os pais. Eles querem para as crianças uma infância saudável, com confortos que nunca tiveram, mas não pensam no principal: um quintal. Um quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida. Nele deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas, mas sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são fundamentais. No fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada, para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser pegá-las. Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho. É o mistério da vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples do que qualquer livro de filosofia.
Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando?
Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida. É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado. Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme mangueira para que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as frutas do vizinho. Nos fundos de um quintal, deve haver também uma touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra. Não há infância que se preze sem medo de cobra. Quando as goiabas começam a crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar. E que sensação terrível quando se vê o bicho da goiaba se mexendo. Aí, sem que ninguém precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela amadurecer no pé até desfrutar o supremo prazer de dar aquela dentada – com direito a bicho e tudo.
Mas o tempo voa. De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas. Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.

Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Na Sala com Danuza 2 (ARX) e Quase Tudo (Cia. das Letras)

Redescobrir - Elis Regina


12 comentários:

Luiz Henrique disse...

Muito bons esses momentos onde relembramos nossa infância. Não vou falar aqui porque senão seria um novo post. Hehehehe! Obrigado por esse estímula matinal, ainda que rápido já que o trabalho me espera.

Luiz Henrique disse...

Edméa, muito bom retornar à infância e relembrar bons momentos. Não os escrevo aqui senão virariam um novo post. Hehehehe! Obrigado pelo estímulo à viagem, ainda que curta pois o tal de trabalho fica gritando ao meu ouvido. Abraço.
Luiz Henrique

Anônimo disse...

Edméa, muito bem sacado o texto da Danuza.

Vc sabe provocar o leitor. Legal!

Beto Lyra

edmeaoliveira disse...

Recebi de uma amiga por email:

Oi amiga,

Eu lí esse texto da Danusa, no aeroporto, quando voltava prá cá...Fui lá na minha infância e voltei...Realmente, é uma pena que hoje em dia, as crianças, muitas delas, não tem o privilégio que tivemos, né? Beijinhos
Teu blog está cada dia melhor...Parabéns!!!

edmeaoliveira disse...

Por email:
Amiga,
Muito bom! VC e nossa querida Danuza.
bjs

edmeaoliveira disse...

Olá João,
Que bom que vc gostou.
Abraços,

Edméa

edmeaoliveira disse...

Luiz Henrique,
Falar de infância é sempre uma gostosa viagem no tempo, não é mesmo?
Obrigada e um grande abraço,

Edméa

edmeaoliveira disse...

Beto Lyra,

Agradeço imensamente por você manifestar sua impressão sobre o que escrevo.

Grande abraço,

Edméa

Silvana disse...

Méa, as marcas da nossa velha infância estão, de fato, no corpo e na alma. Nódoas também, para além das roupas...Cá estamos nós, crianças crescidas tentando fazer o caminho de volta !

Anônimo disse...

Ei mana,

Tão divertido quanto nossa "velha infânica" está sendo esse caminho de volta. Às vezes acelero, outras vezes engato a ré e retomo o caminho de partida...Bjks, saudades
Méa

edmeaoliveira disse...

Recebi por email:
Gostei... e tive as mesmas experiências com as frutas... não só no quintal dos meus pais e avós... mas em toda a vizinhança... e também tive o pânico de cair de uma árvore... um figueira... caí... de costas... fiquei sem voz durante uns dez minutos...
Beijos...

Unknown disse...

Eu também vivi uma bela infância. Nasci e cresci em Belém do Pará, morávamos em uma casa que ficava lá nos fundos, dali até a rua era um terreno muito grande, e cheio de arvores frutífera. Parecia um túnel, a gente passava no meio delas. Pegava com a mão ou subia nas mais altas. Minhas irmãs mais velhas que já namoravam, não subiam, eu e a outra irmã que éramos molecas, fazíamos a festa. Muitas vezes minha mãe passava me chamando, e eu lá em cima caladinha com medo de apanhar, pois ela não gostava que nos meninas subíssemos nas arvores, dizia que era muito feio, e coisa pra homem.
Uma infância assim, não existe mais, infelizmente é como você fala: as crianças de hoje ocupam seu tempo de folga, em outras coisas menos saudáveis. Mesmo que estejam passando férias em algum lugar que tenha arvores frutífera, preferem o computador.
Estes tempos que passamos e que hoje lembramos com saudades só vão existir em nossas memórias.